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segunda-feira, 23 de abril de 2012

Setor de TI questiona mudança na tributação

Setor de TI questiona mudança na tributação

Por Bárbara Pombo | De São Paulo

Advogado Leonardo Mazzillo: nova lei poderia deixar de ser aplicada para quem se sentir onerado

As empresas de tecnologia da informação (TI) questionam na Justiça o Plano Brasil Maior, instituído pelo governo para desonerar a folha de pagamentos de alguns setores da indústria. O Sindicato das Empresas de Processamentos de Dados de São Paulo (Seprosp) ajuizou ação contra a nova forma de cálculo da contribuição previdenciária, que passou a incidir sobre o faturamento bruto, alegando que a maioria de seus 45 mil associados tiveram prejuízo com a mudança. A Justiça Federal, porém, negou o pedido de liminar.

Desde dezembro, o setor recolhe a contribuição com base no faturamento bruto - recentemente, o percentual passou de 2,5% para 2%. Anteriormente, o tributo incidia em 20% sobre a folha de salários. Com a mudança, segundo o Seprosp, as pequenas e médias empresas com baixo número de empregados e alto faturamento passaram a pagar o dobro de imposto. Além disso, a entidade alega que, com a alteração na base de cálculo, um novo tributo teria sido criado, sem previsão em lei complementar. Outro ponto levantado é de que três contribuições estariam incidindo sobre a receita bruta - o PIS, a Cofins e a contribuição ao INSS, o que violaria a Constituição.

Na decisão liminar, o juiz substituto da 5ª Vara Federal Civil de São Paulo, Paulo Cezar Neves Junior, afastou todos os argumentos. Segundo o magistrado, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que não há necessidade de lei complementar para instituir contribuições para financiar a seguridade social. Entendeu ainda que o caso não seria um exemplo de bitributação. Isso porque a Emenda Constitucional nº 42, de 2003, trouxe a possibilidade de substituir a tributação do recolhimento ao INSS da folha de salário pelo faturamento. Por fim, considerou que não existe quebra de isonomia. "Ainda que tenha havido aumento da carga tributária, não há demonstração de abusividade ou de efeito confiscatório no tributo, considerando a baixa alíquota, apesar da considerável base de cálculo", afirma na decisão.

O advogado do sindicato, Alexander de França, do Godoi & Aprigliano Advogados Associados, afirma que já recorreu da decisão. No recurso, ressaltou que o próprio juiz de primeira instância reconheceu o aumento da carga tributária, o que poderia comprovar a quebra de isonomia e a desvantagem sofrida pelas pequenas empresas. "Ele poderia ter aceitado o pedido pelos mesmos motivos que o levou a indeferi-lo", diz. De acordo com França, apenas as empresas com folha de pagamento que representam mais de 20% do faturamento teriam conseguido uma desoneração efetiva. "Para as demais, o efeito foi o inverso".

Para o procurador da Fazenda Nacional em São Paulo, James Siqueira, o argumento da quebra da isonomia soa "falaciosa". "Ficamos surpresos com o pedido porque a prática de mercado mostra que essas empresas têm a folha enxuta", afirma, acrescentando que as pequenas companhias ainda teriam a possibilidade de aderir ao Simples Nacional.

Neste mês, o governo federal diminuiu a alíquota da contribuição patronal de 2,5% para 2% para o setor de TI. Ainda assim, o presidente do Seprosp, Luigi Nese, estima que 70% das 45 mil empresas associadas continuam oneradas. "Continuaremos negociando para chegarmos ao patamar de 1%, como os demais setores beneficiados", afirma.

Para advogados, o Tribunal Regional da 3ª Região (TRF-3) poderá analisar apenas a questão da quebra da isonomia. "O argumento é fortalecido com a recente redução da alíquota para 2%", diz Aldo de Paulo Junior, do Azevedo Sette Advogados. Além disso, tributaristas afirmam que um caminho possível para as companhias prejudicadas seria argumentar que, por ser um benefício, a mudança da tributação seria opcional. "Para privilegiar o princípio da isonomia, a lei poderia deixar de ser aplicada para quem se sentir onerado", diz o advogado Leonardo Mazzillo, do WFaria Advocacia.

O obstáculo para sustentar a tese seria de que a Lei nº 12.546, de 2011, que instituiu a cobrança pelo faturamento, não fala expressamente em benefício. A Receita Federal em Minas Gerais já respondeu uma solução de consulta com o entendimento de que a nova sistemática de tributação é obrigatória. Mas segundo o advogado Aldo de Paulo Junior, a justificativa da Medida Provisória nº 540 (convertida na lei) seria de desonerar a folha de pagamentos para favorecer a recuperação do setor. "Não faz sentido instituir beneficio que é obrigatório mas trazer prejuízo para parte dos contribuintes", diz.

 

Valor Econômico, 23 de abril de 2012.

 

http://www.valor.com.br/brasil/2627174/setor-de-ti-questiona-mudanca-na-tributacao

 

 

Lei americana pode acabar com o sigilo bancário no mundo

 

Lei americana pode acabar com o sigilo bancário no mundo

Em 2009, o sigilo bancário ao redor do mundo levou seu mais duro golpe com a entrega, pelo banco suíço UBS, dos nomes de 4.450 correntistas americanos investigados pelo Fisco dos Estados Unidos por suspeita de evasão fiscal e sonegação de impostos. Hoje, o episódio, decorrente de uma enorme pressão do governo americano sobre a Suíça, parece até irrelevante, considerando o que está por vir.

No ano que vem, entra em vigor a Foreign Account Tax Compliance Act - conhecida pela sigla Fatca. Por meio da nova legislação, o Internal Revenue Service (IRS) - a Receita Federal americana - pretende descobrir quem são os contribuintes americanos que enviam dinheiro para fora do país para não pagar impostos.

Pelas regras do Fatca, instituições financeiras estrangeiras de todo o mundo serão "convidadas" a aderir à lei e, com isso, a informar ao Fisco americano, a partir de 2013, os nomes de todos os seus clientes que sejam contribuintes nos Estados Unidos, além dos valores que mantêm em suas contas e investimentos.

A legislação não inclui apenas bancos, mas quaisquer instituições que aceitem depósitos, mantenham ativos financeiros por conta de outros agentes - como custodiantes e câmaras de compensação - ou tenham como atividade principal investimentos ou negociação de valores, bens de consumo ou participações.

Embora o Fatca não possa obrigar essas instituições a quebrarem o sigilo bancário de seus clientes americanos, a lei tem argumentos de sobra para convencer o sistema financeiro mundial a aderir em peso às suas regras. Isso porque o banco que não aderir será considerado não cooperante e, assim, poderá ter 30% dos rendimentos obtidos em transações realizadas nos EUA retidos na fonte. Na prática, diante do tamanho da economia americana, quem não aderir ficará fora do mercado.

"Considerando-se um investimento nos EUA com custo de 3% e ganho de 4%, se o banco investidor não tiver aderido ao Fatca, terá retenção de 30% do valor de seus ganhos, o que o levará a ter prejuízo na aplicação", explica Álvaro Taiar, sócio e líder de serviços financeiros da PwC Brasil, que assessora bancos no processo de adequação à legislação.

Além da esperada adesão das instituições financeiras estrangeiras, que não querem correr o risco de ser taxadas nas transações feitas nos EUA, há um movimento em curso que pode ferir de morte o sigilo bancário.

O Departamento do Tesouro americano está estimulando os países a assinarem acordos bilaterais para o intercâmbio de informações tributárias exigidas no Fatca. Em troca, oferece reciprocidade. Ou seja, por meio desses acordos, o Fisco dos EUA tanto recebe as informações relativas aos cidadãos americanos quanto envia ao país signatário informações bancárias de seus cidadãos.

Até agora, Reino Unido, Alemanha, França, Itália e Espanha já assinaram acordos bilaterais com os EUA - o que significa que o sigilo bancário dos contribuintes desses países nos EUA também está perto do fim. Luxemburgo - até há pouco considerado um paraíso fiscal - e Irlanda já deram passos no mesmo sentido e o Tesouro americano se esforça para expandir os acordos - inclusive com o Brasil (veja reportagem nesta página).

Com os acordos, as instituições financeiras de cada país signatário informarão os dados dos clientes americanos ao Fisco, que fica responsável pelo envio das informações - sem que haja o risco de retenção de 30% dos ganhos dessas instituições.

Os EUA estimam que haja cerca de US$ 350 bilhões não declarados ao Fisco e enviados para fora do país por seus contribuintes. A estimativa surgiu durante a crise financeira de 2008, que trouxe à tona uma série de fraudes corporativas, inclusive fiscais. O combate à evasão de divisas, no entanto, será apenas uma das consequências da lei. Seus efeitos podem ir muito além do incremento na arrecadação tributária dos EUA e dos países que assinarem acordos bilaterais.

Na prática, uma adesão em massa de governos e de instituições financeiras pode decretar o fim do sigilo bancário no sistema financeiro mundial - e contribuir para o combate a crimes de corrupção, terrorismo, narcotráfico e contrabando, entre outros tantos, e à lavagem do dinheiro obtido de forma ilícita.

"O que se busca com a lei é dar mais transparência aos fluxos internacionais de dinheiro, hoje muito contaminados pela lavagem de dinheiro provenientes de crimes", diz o CEO da Câmara Americana de Comércio (Amcham) no Brasil, Gabriel Rico.

A pá de cal no sigilo bancário tem data marcada: o ano de 2017. É quando o Fatca, cuja vigência começa em 2013 e se estende nos anos seguintes em diversas etapas, chega ao ápice ao enfrentar um dos maiores entraves do combate à lavagem de dinheiro: a identificação do beneficiário final das operações financeiras mais complexas - como no caso dos investimentos realizados por meio de fundos.

O golpe do Fatca é duro. Em sua última etapa, a lei americana estabelece que instituições financeiras estrangeiras deverão saber e informar nome e endereço de todo e qualquer cidadão americano que tenha feito algum investimento de forma indireta.

Não é uma tarefa fácil. Hoje os fundos de investimento têm entre seus investidores outros fundos, cujos investidores são também fundos, formando uma cadeia interminável de operações sobre as quais não se sabe quem, afinal, é dono do dinheiro e qual é a origem dos valores aplicados. "No mundo, não se quer mais que alguém tenha uma aplicação que ninguém saiba qual é", diz José Barbosa Teixeira, diretor da PwC e especialista em serviços financeiros, para quem a transparência fiscal é uma tendência global.

A complexidade da identificação dos beneficiários finais de operações desse tipo é tamanha que, além de deixá-la para 2017, o Fatca deu a ela um nome: "passthru payments". Pelo conceito disposto na lei, as instituições estrangeiras terão que saber quem são os investidores americanos que estão por trás de investimentos realizados por fundos no Brasil - mesmo que para isso tenham que quebrar o sigilo de uma cadeia inteira de operações de investimento indireto.

O Fatca, promulgado em 2010, está em fase final de regulamentação nos Estados Unidos. A última versão de seu texto foi publicada em fevereiro deste ano e abarcou algumas das diversas sugestões enviadas por governos, associações de classe e entidades representativas do setor financeiro.

A lei tem sido alvo de inúmeras críticas - a principal delas é a de que o envio de informações bancárias de correntistas americanos ao Fisco americano fere leis internas de países que protegem o sigilo bancário, como no caso do Brasil.

Em um documento enviado ao IRS em dezembro do ano passado, a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) sugeriu alterações pontuais na lei e argumentou que ela tem entraves difíceis de serem superados, por envolverem questões constitucionais (veja reportagem nesta página).

A entidade também argumentou que o risco de evasão fiscal por meio do Brasil é baixo, já que a carga tributária nacional é mais alta do que a dos Estados Unidos, e que a lei fará com que as instituições financeiras do país tenham que suportar o custo do fisco americano em combater a evasão fiscal.

Bancos aguardam manifestação do governo

A implementação da lei americana "Foreign Account Tax Compliance Act" (Fatca) no Brasil esbarra em problemas jurídicos e operacionais. Essa é a conclusão do presidente da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), Murilo Portugal. A Febraban foi uma das diversas entidades do mundo a enviar sugestões e críticas ao Internal Revenue Service (IRS) sobre a possibilidade de aplicação da legislação em território nacional. "Não temos nada contra o objetivo da lei de combater a evasão fiscal, mas temos dificuldades tanto jurídicas quanto operacionais", diz.

Segundo Portugal, a Febraban alertou o Itamaraty e o Ministério da Fazenda e aguarda uma manifestação desses órgãos. "Não existe amparo legal para a aplicação de algumas condutas que a lei prevê", diz. Para ele, é preciso haver uma legislação ou até mesmo um acordo - como quer a Receita Federal do Brasil - para permitir que as instituições brasileiras não corram riscos ao adotarem as regras do Fatca.

Além da questão do sigilo bancário protegido pela Constituição, há ainda questões relacionadas ao direito do consumidor, diz o presidente da Febraban. O Fatca prevê que, caso o correntista americano não autorize o banco a enviar as informações financeiras ao Fisco americano, o banco deve encerrar a relação com o cliente - o que poderia gerar disputas judiciais. Da mesma forma, os bancos brasileiros não estão autorizados a promover retenções de valores não previstas em lei, sob pena de sofrerem sanções.

Além dos entraves legais, o presidente da Febraban também afirma que há dificuldades operacionais. O Fatca exige a realização de "due dilligences" de todas as contas para identificar clientes americanos - inclusive das inativas. "Temos 140 milhões de contas bancárias no Brasil e 20 milhões são inativas", afirma. Ou seja, não basta que o banco envie correspondências aos titulares dessas contas, pois não terá resposta. Segundo Portugal, não há como estimar os custos da aplicação do Fatca para os bancos brasileiros.

De acordo com Álvaro Taiar, da PwC Brasil, os bancos devem provar, por meio de 'due dilligences', que não têm clientes americanos. O que parece uma tarefa fácil esbarra em alguns entraves. Brasileiros com "green card", por exemplo, são considerados contribuintes americanos, mas os bancos não sabem quem, entre seus clientes, ostenta o visto permanente. Outro problema na aplicação da lei é a diferença de tributação de rendimentos: o Brasil tributa os rendimentos da mesma forma, enquanto os EUA têm cargas tributárias diferentes para ganhos de capital, juros e dividendos.

"É uma questão complexa, é preciso preparar os sistemas operacionais", diz Taiar. "Vamos ter mudanças que vão desde a documentação necessária nos cadastros dos clientes até a estrutura organizacional das empresas", afirma.

Cristine Prestes - De São Paulo

Valor Econômico, 20 de abril de 2012.

http://www.valor.com.br/impresso/especial/lei-americana-pode-acabar-com-o-sigilo-bancario-no-mundo